quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Amigos, amigos... filhos à parte

Que a chegada de um filho vem mudar radicalmente o mundo dos pais, não é novidade para ninguém. A vida, tal como a conhecíamos, deixa de existir. São outras rotinas, outros interesses, outras preocupações, outras alegrias e, principalmente, outras prioridades. Mais concretamente no caso das mães, que nos primeiros meses vivem disponíveis 24/7 para as suas crias, a identidade perde-se um bocadinho ali pelo meio. Passamos a ser tratadas por "mãe" ou "mamã", seja na maternidade, no pediatra, ou no centro de saúde. O peso de sermos a mãe de alguém tem tanto de fascinante quanto de assustador. Esse peso vem moldar-nos e, em alguns aspectos, chega mesmo a mudar-nos, de forma irreversível. 

Levou algum tempo até que me voltasse a sentir eu mesma. Que sentisse essa vontade. Que conseguisse integrar e assimilar o meu novo papel. Era, então, altura de recuperar os pedacinhos do antes, aqueles que ainda fazem sentido, que me interessam, apaixonam e fazem sentir viva. Até que, a meio do processo, percebi que muitas das coisas que antes faziam parte do meu dia-a-dia e da minha lista de interesses e prioridades já não me pertenciam mais. O mesmo acontece com as pessoas. Por força das circunstâncias, minhas ou delas, as vidas ganham novos rumos. 

Depois de ser mãe, as minhas prioridades alteraram-se, é certo. Sei que estou em falta para com alguns amigos, sei que uns entendem, outros nem por isso. A verdade é que esses novos rumos fazem com que se passem semanas, meses, até que o tão falado café se concretize. A diferença reside na disponibilidade, a diferentes níveis. No início desta aventura, nem disponibilidade emocional tinha para um simples café, para outros assuntos, outras pessoas. Mea culpa! 

Mas, depois de ter passado uns meses nessa espécie de bolha, olho para o resto do (meu) mundo e vejo que, assim que a maternidade entrou em cena, também as amizades se alteraram profundamente. Refiro-me, sobretudo, à forma como os amigos passaram a ver-me e a lidar comigo.

Primeiro, aqueles amigos que se interessam. Gostam de nós, fazem parte da minha vida e querem que a coisa permaneça da mesma forma, adicionando alegremente o novo elemento ao clã. Neste grupo de amigos interessados, reparo que o grau de interesse relativamente à Margarida é sempre proporcional ao desejo que têm (ou não) de ter filhos. Muitas vezes, estes amigos querem saber detalhes mais práticos e concretos, um bocadinho a apalpar terreno, a ver se se imaginam, efectivamente, no papel. Aqueles que nem equacionam vir a ter filhos tão cedo, perguntam, gostam de saber, mas sem exageros - umas fotos e umas gracinhas bastam!

Depois existem aqueles amigos que, além de se interessarem, entendem. Nesta classe de amigos, mais raros, alguns deles são amigos recentes, igualmente com filhos, aqueles que a maternidade trouxe ou aproximou. Estes amigos gostam de trocar ideias e de acompanhar, falam a mesma língua, entendem a importância de coisas mínimas, têm um efeito 'normalizador' e, o melhor de tudo, quando são realmente amigos, conseguem vibrar, também, com o desenvolvimento da Margarida. E eu com o dos filhos deles.

E, por último, descobri que existem os amigos que evitam tanto o assunto bebés e crianças, que passam a evitar-nos a nós também, como se de uma doença contagiosa se tratasse. Assumem que a nossa vida, simplesmente, passou a resumir-se a isso. Que vamos falar apenas disso. Que passamos para o lado de lá da barricada. E porque é que isso os afecta tanto? Tenho para mim que são precisamente essas as pessoas que mais se assustam com a ideia de ter filhos, como se isso mexesse com alguns fantasmas que imploram por um exorcismo. Em suma, evitam-nos, como forma de evitar o que lhes vai lá dentro.

À excepção do grupo de amigos que também têm filhos, a maternidade parece ter vindo criar uma espécie de fosso. Uns querem fazer parte, mas não sabem muito bem como nem quando, outros não querem de todo, porque, afinal, existe um apêndice que se baba como se não houvesse amanhã.

Com ou sem filhos, todas as amizades se assumem de diferentes formas, com diferentes papeis, finalidades, graus de intimidade e companheirismo. Com a Margarida, a minha disponibilidade, a todos os níveis, passou a valer ouro e eu sei bem com quem a quero e devo partilhar. Posso retomar muitas das coisas que me interessam, apaixonam e fazem sentir viva, mas sei que a vida nunca mais será a mesma. Mas essa é uma bagagem minha. Não ando a impingi-la a ninguém. A Margarida não está sempre comigo. Eu não falo apenas da Margarida. Não me interesso apenas pela Margarida. Sou a mesma, mas sou agora mais, porque sou, também, a mãe da Margarida.

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