quinta-feira, 30 de março de 2017

Percentis, tabelas, gráficos e outras neuroses

Imagem - Simona Ciraolo
Não sei em que percentil se encontra a Margarida. Nem mesmo nos primeiros meses de vida. Isso mesmo, nunca soube. Recordo-me de ter ouvido uma ou outra referência aos valores, sei que foram anotados algures no boletim, pela médica, mas isso pouco me interessava. Interessa-me, apenas, que tudo esteja bem e que a médica confirme que o crescimento da Margarida se continua a desenrolar saudavelmente. 

Incomoda-me essa neurose das 'mãezinhas' - e, sim, desculpem lá, mas nesta questão os pais não têm nada que ser aqui chamados. Por acaso, já ouviram algum pai dizer "o meu filho está no percentil X", com aquele ar de quem, na verdade, quer dizer "o meu filho é muito maior e melhor nutrido que o teu!"? Não, pois não? Pois.

Mas as 'mãezinhas' adoram essas coisas. E isso, como tudo, é um pau de dois bicos - se serve para umas se gabarem porque o filho aos 3 meses veste roupa para 9 meses (e juram que até já está mesmo, mesmo a dizer "papá"), serve também para as mães de bebés mais pequeninos - não sendo isso sinónimo de qualquer tipo de sub-desenvolvimento -, se preocuparem, questionarem e os quererem empanturrar de comida, a ver se começam a encher mais a 'roupinha' (as 'mãezinhas'  também adoram diminutivos).

Acredito que, especialmente para quem se está a estrear nestas lides, seja altamente tentador guiar-se por algo que possa indicar se o crescimento do filho está a corresponder ao expectável para a idade. Se mama quando é suposto, se começa a segurar a cabeça quando é suposto, se já se senta sozinho quando é suposto, se começa a gatinhar e a andar quando é suposto, se aparece o primeiro dente (e os restantes) quando é suposto, se desfralda quando é suposto e por aí fora, até à adolescência. 

Uma das coisas mais básicas - e importantes - que aprendi ao longo destes 3 anos é que, simplesmente, isso não existe. Mas qual suposto?! Os nossos filhos são indivíduos, seres únicos, com os seus ritmos, as suas particularidades e imensas diferenças entre si - a todos os níveis! Se pararmos para reflectir um pouco, fará algum sentido esperar (refiro-me àquela expectativa repleta de ansiedades e medos) que os nossos filhos façam determinada coisa, só porque aquela tabela manhosa que encontrámos na net nos diz que aos X meses era "suposto" ele ser capaz de fazer ou dizer Y e Z? E, assim que o bebé cumpre o tão ansiado requisito, lá vai a 'mãezinha' colocar-lhe um visto mental em cima, suspirar de alívio e seguir para o próximo item da lista, que respeita uma qualquer ordem universal. 

'Mãezinhas', não comparem, não forcem, não stressem. Ninguém apresentou essas listas, tabelas e gráficos aos vossos filhos. Eles desconhecem a "suposta" ordem das coisas - essa não é, necessariamente, a deles. Elas simplesmente acontecem quando devem acontecer, quando corpo e mente estiverem preparados para esse passo. O importante não é se o vosso filho é o mais alto, o que andou mais cedo, o que tem 5 dentes a mais do que era "suposto" para a idade, ou se largou as fraldas (forçado pela 'mãezinha') aos 15 meses, 3 semanas e 2 dias. É importante, sim, sabermos se os nossos filhos se estão a desenvolver bem e de forma saudável. Mas sem timings, sem pressões, sem tabelas, gráficos e outras neuroses que só desvirtuam o processo - o de ver crescer um filho, de ajudá-lo, de incentivá-lo, de respeitar os seus ritmos e, simplesmente, vê-lo florescer. 


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segunda-feira, 27 de março de 2017

"Pais sem alma"

Imagem via Pinterest

Quando, há alguns dias, me deparei com um novo artigo de um dos especialistas que há muito sigo nestas coisas das criancinhas e da parentalidade, foi, como sempre, com grande expectativa que o comecei a ler - apesar do título me ter feito soar logo umas quantas sirenes. Desde essa leitura, acho que passei os últimos dias a tentar digerir e, humildemente, a reflectir sobre o que li - que, em grande parte, chocava com a minha visão e com aquela mãe a que me propus ser, há já algum tempo.

A certa altura, o autor afirma que educar sem berrar, rezingar ou resmungar não é sequer educar. Que, trocando as coisas por miúdos, isso se traduziria em "pais sem alma".

Não sei precisar quando comecei a contactar com estas coisas da parentalidade dita consciente e positiva. Sei que cedo defini que o meu caminho, como mãe, passaria por aí, sempre que me fosse possível. E para que o número de vezes em que consigo ser uma mãe que educa e disciplina com empatia, respeito e afecto fossem cada vez mais frequentes, foi e é necessário um trabalho diário - na teoria e na prática. Um trabalho de dentro para fora.

Mas, como mãe humana que sou, como mãe que também fica frustrada, cansada, irritada, com dores e com pouca paciência, há dias em que me afasto, nem que por breves instantes, da mãe que desejo ser, daquela que a Margarida merece. 

Essa mãe que há em mim, que num ou outro momento se culpa por ter elevado a voz ou por não ter tido um bocado mais de paciência para continuar a negociar, em vez de partir para o ultimato, essa mãe quase acreditou e se sentiu ligeiramente reconfortada ao ler o artigo. 
Segundos depois, a outra mãe, a que acredita profundamente no trabalho que tem vindo a desenvolver, a que confirma, diariamente, os efeitos das ferramentas que tem apre(e)ndido, rapidamente me resgatou daquelas doces balelas que continuam a tentar convencer-nos de que não só é aceitável gritar e passarmo-nos com os nossos filhos, como é necessário, em nome da disciplina, da educação, dos limites e blá, blá, blá. 

O artigo andou dias na minha cabeça - talvez pela consideração em que tenho o autor, relativamente a tantas outras questões -, o que até foi bom para reflectir, tentar perceber o outro lado e, acima de tudo, desconstruir e voltar a montar as peças daquilo em que acredito, do que pratico e o motivo pelo qual isso me parece ser o mais acertado - é sempre um bom exercício.

Ao longo destes anos, houve momentos em que quase tentei ser uma mestre zen da maternidade. Houve momentos em que consegui agir como espero conseguir agir sempre, mas também houve e há momentos em que a Margarida me vê chateada, frustrada e sem paciência. 
Uma das certezas que agora tenho em todo este processo - e que me traz alguma paz -, é que me faz sentido que a minha filha saiba reconhecer quando a mãe também está menos bem, que um olhar baste para ela saber que tem de parar, que cheguei ao meu limite e que, consequentemente, ela também - e ela sabe ler-me tão bem, mesmo sem uma palavra! 

Quero, acima de tudo, munir a minha filha de ferramentas que lhe permitam lidar, de forma saudável, com as emoções, as dela e as de quem a rodeia. E isso só acontecerá, de forma eficaz, através do exemplo. Todos os dias. Mas sei que, seguramente, irei falhar algumas vezes pelo caminho. E é aí que me vou lembrar que berrar, rezingar ou resmungar nunca será necessário (mesmo quando não conseguir evitar), que daí nada de bom advém. Quero que a Margarida saiba que, sim, pode acontecer, mas que não está certo. Tal como todos os outros certos e errados que lhe tento transmitir.
Sempre que eu pisar esse risco e a minha voz se elevar, vou lembrar-me, sobretudo, que o problema está em mim, no meu estado de espírito e nunca na minha filha. E que nunca, mas mesmo nunca, irritações, faltas de paciência e chatices várias serão úteis ou necessárias para educar ou lidar com a minha filha.

Outra certeza que tenho é que, sempre que eu errar, irei pedir-lhe desculpa. Com toda a (c)alma. 


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quinta-feira, 9 de março de 2017

Cara mãe-que-levou-mousse-de-chocolate-para-a-creche

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Não tenho nada contra ti. Na verdade, não sei se és a mãe do Santiago, da Laura ou do Abel. Não preciso saber sequer. Sei que és mãe de uma criança que partilha todos os dias a sala com a minha filha. Que eles brincam e crescem juntos diariamente. E sei também que, ontem, decidiste levar mousse de chocolate para a tua criança festejar com os miúdos. Quando soube, confesso que te insultei baixinho. Que me passei, vá. Nada contra que a tua criança coma mousse de chocolate - ela é isso mesmo - tua. Mas a Margarida é a minha filha, percebes? Eu e o pai dela somos os responsáveis por ela e isso aplica-se, também, ao que ela come e, especialmente, ao que não come. Para além de saber que és a mãe de uma criança que partilha a sala com a minha filha, sei também que, seguramente, não sabes o que é ter um filho com intolerâncias alimentares ou com algum tipo de restrição alimentar, por motivos de saúde - e nem vou entrar por outras motivações ou convicções. E se, por um lado, fico feliz por não saberes (sendo isso boas notícias para o teu filho), por outro, incomoda-me que penses apenas na tua criança, quando preparas um doce para levar para a creche. Sabes, na sala dos nossos filhos convivem diariamente 17 crianças. Dezassete.

Acredito que a tua intenção fosse a melhor. Acredito mesmo. Preparaste uma mousse que, aposto, é a preferida da tua criança. Mas enquanto tu, provavelmente, foste para o teu local de trabalho feliz, a pensar que a tua criança e todas as outras se iriam deliciar com o manjar que preparaste, eu só conseguia imaginar a minha filha a sentir-se excluída, a ter de comer uma peça de fruta (como ficou combinado com a educadora - que nos questionou, como sempre), enquanto via os outros meninos a lambuzarem-se todos com a tua mousse maravilhosa. Como essa era uma imagem que me fazia insultar-te cada vez menos baixinho, a meio da manhã o pai foi lá a correr levar um queque de cenoura, numa tentativa de minimizar o estrago.

Conhecendo a minha filha como conheço, comentei de imediato com o pai que ela é que ia ficar a sentir-se A especial, a privilegiada - e foi exactamente o que aconteceu. Segundo a educadora, nem olhou para os outros, de tão encantada que estava com o queque. Quando chegou a casa, disse "mamã, hoje comi bolinho de cenouraaaaaa!", e quando lhe perguntei o que tinham comido os outros meninos, respondeu "não sei, um doce qualquer". 

É só por isso que já não tenho nada contra ti - porque conseguimos, com a ajuda da educadora, dar a volta à coisa. Mas para a próxima, por favor, lembra-te que existem, pelo menos, mais 16 criancinhas no mundo, para além da tua, pode ser?
Grata pela compreensão.


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quinta-feira, 7 de julho de 2016

"Mas o que é isso da Disciplina Positiva?"

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Na sequência deste post e deste também, pareceu-me importante definir em linhas claras e mais ou menos gerais, para quem desconhece, o que é a disciplina positiva/ parentalidade consciente, em que princípios assenta, em que difere dos ‘métodos’ tradicionais. Porquê? Porque acredito a 100% que dessa forma estaremos a criar filhos mais equilibrados, confiantes, sensíveis e afectuosos. 

De forma muito objectiva, a disciplina positiva trata-se de um modelo de disciplina (que eu encaro mais como uma filosofia de vida), que se baseia numa forma de educar sem punições (sim, não há cá castigos, há consequências naturais), onde é reforçado o comportamento positivo da criança, sem qualquer tipo de agressão física ou verbal. 

Qual é o primeiro problema com que nos deparamos quando decidimos educar um filho dessa forma? A sociedade, aquelas vozes que se erguem de imediato, para afirmar que a ausência de punição – seja um castigo, seja uma palmada -, é coisa de pais permissivos, de pais que não sabem educar, de pais de filhos indisciplinados, que fazem o que lhes apetece, que não têm limites. 

A disciplina positiva vem mostrar precisamente o contrário: é possível educar sem punir, sem que isso signifique perder o controlo da situação. A diferença é que, pais que aplicam a DP, percebem que uma disciplina eficaz é aquela que vem de dentro, que promove o autocontrolo da criança, a capacidade de análise e de escolha – e que nada disso surge através de obrigações, proibições, castigos ou presentes. Na disciplina positiva, o erro não é punido, é antes corrigido.

Ao contrário da disciplina dita tradicional (não sendo ela um método propriamente dito, mas antes a ausência de um), em que os pais gastam as suas energias a punir os comportamentos errados, pais que educam de acordo com a DP têm sempre em mente o tipo de adulto que querem ajudar a formar. Isto significa que, antes de mais, o foco principal recai sobre as ferramentas que queremos dar aos nossos filhos, para a construção de seres humanos confiantes, equilibrados, independentes, afectuosos e com autoestima. Como é que tudo isto se trabalha? Através do vínculo entre pais e filhos. 

Ainda que se diga que a disciplina positiva só pode ser aplicada a partir dos 8/9 meses do bebé, acredito que ela pode e deve ser trabalhada muito antes, na mente dos pais. Convém munirem-se de toda a informação necessária, sempre adequada à idade do bebé.
Naturalmente, a forma de aplicarmos a DP junto de uma criança é completamente diferente daquilo que faremos com um bebé. Não quero neste post entrar por técnicas específicas, para questões específicas, mas é fácil de perceber a diferença: se com uma criança, a DP nos ensina que tudo se deve basear no diálogo, nas conversas que explicam e (sobretudo) mostram à criança o porquê de determinadas coisas não poderem ser feitas (ou terem mesmo de ser feitas), com um bebé que ainda não domina sequer a linguagem, os métodos utilizados passarão sobretudo por distrair, desviar o foco, arranjar alternativas que captem a atenção e quebrem o comportamento indesejado. 

Querem exemplos para ser mais fácil de perceber? 
No caso de um bebé que está a mexer, insistentemente, num objecto ‘proibido’, que se pode partir, que o pode magoar, etc, um pai/mãe da disciplina tradicional vai dizer ‘não’ umas 10 vezes. Vai perder a paciência, face à desobediência. Eventualmente, dá uma palmada na mão do bebé a ver se ele percebe, o bebé não percebe porque, na verdade, é um bebé e quer explorar o mundo, então vai deixar cair o objecto ao chão, o pai vai-lhe berrar e ainda dar-lhe uma palmada, que vai apelidar de “palmada educativa”. O bebé vai chorar, vai continuar sem perceber nada do que ali se passou e se, eventualmente passar a pensar duas vezes assim que ouve o pai gritar ‘NÃO’, será por medo da punição e não porque aprendeu que não pode mexer no objecto, sob pena de se magoar ou estragá-lo. 
Na DP, o pai do bebé pode até dizer que ‘não’, mas vai rapidamente lembrar-se que é um bebé e vai olhar para o lado e procurar outra coisa que substitua, como um brinquedo, e retirar o outro da mão. “Ah, mas aí o bebé fica a chorar” – é aí que entra a distracção e a capacidade criativa que os pais da DP acabam por desenvolver. Resultado: ninguém se magoou, nada ficou partido e não houve energias a serem gastas negativamente. 
No caso de uma criança que bate no colega da escola, o pai/mãe tradicional vai, muito provavelmente, reforçar a ideia de que ele é um “pestinha”. Na DP, a abordagem passaria por uma conversa, em que se tenta explicar à criança que o comportamento foi errado porque magoou o outro – a ideia é sempre criar esse tacto, essa sensibilidade ao outro. Eventualmente, a criança não o fará mais, porque sabe naturalmente que não quer magooar o colega e que isso seria errado. 

Na parentalidade consciente, aprendemos que somos nós, pais, a assumir a responsabilidade pelos nossos próprios descontrolos. Dizer “o meu filho tira-me do sério” é simplesmente errado. Não foi o teu filho que te tirou do sério, foste tu que perdeste a paciência. És tu o pai/mãe. És tu quem tem de saber gerir as emoções e dar o exemplo ao teu filho.

Vais ensinar o teu filho a não gritar, gritando com ele?
Vais ensinar o teu filho a não ser violento, batendo-lhe?
Vais esperar que o teu filho se controle e pare a birra, se tu, que és o adulto, não te consegues controlar e estás aos gritos com ele?

A melhor maneira de tornar as crianças boas, é torná-las felizes!”
Óscar Wilde

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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Rumo à mãe que agora desejo ser [2]

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Terminei o último post a dizer que, no seguinte, explicaria de que forma é que viver e educar de acordo com a disciplina positiva, vivendo uma parentalidade consciente, tem contribuído para uma experiência mais feliz e pacifica, para ambas as partes – pais e filha.

Pouco depois, recebi algumas mensagens que se resumem basicamente a “mas que raio é isso da disciplina positiva? Parentalidade quê?’. Eu também explico. Mas permitam-me começar pela base de tudo, que já referi no post anterior. 

Respeito é, definitivamente, a base. 

Acredito que a maioria dos pais faz o que melhor sabe e pode, pelos seus filhos. E acredito também que, quando falham redondamente, isso acontece maioritariamente por falta de informação – ou desconhecem as alternativas, ou desacreditam os seus resultados, sem sequer tentar experimentar.

Acho importante começar por definir alguns conceitos, dado que, sempre que se abre a boca para falar de filhos (e isso vai desde a educação até à alimentação), há sempre uma linha demasiado ténue a separar aquilo que é subjectivo, daquilo que é, na verdade, um facto incontornável – por muito que existam sempre as alminhas que tentam justificar o injustificável. 

Dizia eu que a nossa forma de educar, amar, cuidar, brincar e estar com a Margarida assenta no respeito. E esse é o único ponto que é indubitavelmente objectivo no que à maternidade diz respeito.

Parto normal ou cesariana, leite materno ou leite artificial, creche ou avós, co-sleeping ou cada um na sua cama – estes são alguns exemplos do que considero do domínio da subjectividade e, ainda que eu tenha a minha opinião formada sobre estes e muitos outros temas, nunca ousaria dizer a uma mãe (ou pai) que a sua escolha é errada, só porque choca com a minha visão ou experiência. Eu tenho os meus argumentos, eles terão os deles – e não precisamos discuti-los sequer, está tudo bem, desde que as decisões sejam tomadas em consicência dos prós e contras, tendo em conta o bem do bebé/criança.

Depois existem as questões que, para mim, nada têm de subjectivo – basta atentarem contra o respeito que cada um de nós merece – especialmente se falamos de uma criança. Se o teu filho faz uma birra, espetas-lhe com umas palmadas no rabo? Furaste as orelhas à tua filha de meses? Deixas o teu bebé chorar sozinho até adormecer? Castigas a tua filha sempre que ela age incorrectamente? Obrigas o miúdo a comer, mesmo quando ele está já em total desespero? Infelizmente, sei que a maioria dos pais não só responderia “sim” a inúmeras perguntas do género, como ainda hastearia a bandeira do “com muito orgulho, porque é de pais firmes e de regras que os miúdos precisam e levar uma palmada na hora certa só lhes faz bem – basta olhar para mim, que fui espancado pelo meu pai quase todos os dias, mas foi bom porque aprendi a não roubar mais borrachas na escola”.

Para além de acreditar que, em parte, isto se deve a falta de informação, acredito que a maior fatia do problema se prende com uma mentalidade totalmente ultrapassada, que faz parte do senso comum colectivo. Se há uma criança a passar-se com uma birra descomunal, em pleno supermercado, arrisco a dizer que, em 30 pessoas que por ali vão passar, apenas uma não irá olhar de lado e pensar “se fosse comigo... era uma palmada naquele rabo e eu queria ver...!”. Apenas uma pessoa teria a capacidade de sorrir, com empatia e solidariedade, para aquela mãe que tenta calmamente levantar o filho do chão, e que optou por tentar distraí-lo com outra coisa qualquer, ao invés de lhe espetar com uma palmada no rabo e fazê-lo chorar mais, descontrolar-se mais. Sim, era isso que iria acontecer. 
Ah, mas era da maneira que não voltava a fazer outra birra num supermercado, aprendia a lição” – Errado! A criança poderia até não repetir mais a birra num local público, mas por medo da reacção da mãe/pai. 

E agora entra aquilo em que acredito: obviamente, não gosto que a Margarida arme uma cena, seja no supermercado ou em casa. Mas se isso acontecer, aprendi que o melhor a fazer é tentar distraí-la com outra coisa, redireccionar a atenção dela, mostrar calma – o comportamento que espero que ela seja capaz de ter – e não a deixar ainda mais descontrolada. Faria algum sentido gritar com a minha filha, na esperança de ela parar de gritar também?! De relembrar que a adulta sou eu, portanto, tenho de me comportar como tal, controlando as minhas emoções/frustrações. Se nenhuma das minhas técnicas resultar, paciência (a minha e a de quem assistir), mas eu não lhe vou bater. Vou pegar nela, nem que esperneie freneticamente, vou tentar acalmá-la e fazer por perceber o motivo da birra (se existir – o que aos 2 anos e pouco não é garantido). É difícil? Temendamente difícil. É um desafio imenso. E acreditem, é muitoooo mais difícil do que sacar de uma palmada no rabo. Esse é o caminho fácil, mas um caminho que surte efeito através do medo, da coação – ‘fazes isso, apanhas!’.

Se eu me acho uma mãe melhor do que aquela que dá uma palmada? Na verdade, não. Considero apenas que tenho mais poder do meu lado, que conheço as alternativas, que aquela outra mãe desconhece ou desacredita. Acredito que quem o faz, fá-lo por acreditar que essa é a única forma de disciplinar uma criança. Tenho do meu lado o poder que as ferramentas que conheci me dão - e posso garantir que não, esse não tem de ser o caminho. E que não, não sairão daí crianças mimadas, sem limites e descontroladas. Disciplinar com amor e respeito faz as crianças crescerem mais cooperantes, mais afectuosas, mais sensíveis ao outro. 

Não gosto que a Margarida faça birras ou asneiras. Mas ela é a criança, eu sou a mãe. Quero que, acima de tudo, ela não faça asneiras por perceber o porquê de não poder fazer x ou y. Esteja na minha presença, ou não. Quero diálogo. Quero cooperação. Quero que a Margarida pense por ela própria e que me ajude quando eu preciso – e eu peço-lhe, explico-lhe que preciso, explico-lhe tudo. E, nos piores dias, aqueles em que nada disto resulta, o meu colo ela terá sempre garantido, porque mais difícil do que ela saber lidar com a frustração que a levou à birra, seria ainda levar com uma mãe que não a ensina a lidar com as emoções, dando o exemplo.

Ser mãe, de forma consciente e positiva, é um desafio diário. Costumo dizer que a disciplina positiva não é para as crianças, é para nós, pais, que temos de nos re-educar, aprender a gerir as nossas emoções, dar o exemplo e, acima de tudo, pensar no sentido das coisas, no que aquele filho em particular precisa, no que resulta com ele. Mesmo dentro da prática da DP, há coisas que funcionam com uma criança e com outra não – mas há sempre uma outra que funcionará, se conhecermos bem as nossas crianças e soubermos adequar. 

Pouco me importa se este terreno é altamente polémico e se susceptibilidades foram feridas. Se houver uma única mãe ou pai que, ao ler isto, pense ‘eu até dou palmadas, mas sinto-me sempre mal... gostava de saber mais sobre isso da disciplina positiva e afins’, então o objectivo destes textos já está a ser cumprido. 

E, para tentar elucidar minimamente quem ainda não está familiarizado com os conceitos, prometo que esse post, mais ao estilo informativo, seguirá em breve :)

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terça-feira, 5 de julho de 2016

Rumo à mãe que agora desejo ser

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Desde que a Margarida nasceu, as minhas aprendizagens são diárias. Uma das primeiras lições que a Margarida fez questão de me dar foi que, definitivamente, cada bebé é único. 

Mesmo antes de sequer pensar em ser mãe, já tinha a mania que percebia muito do assunto. Não opinava sobre a educação de filhos alheios, mas tinha sempre uma opinião. Quando a minha afilhada nasceu, há quase 9 anos atrás, comecei a consumir tudo o que me aparecia sobre bebés, crianças, psicologia infantil, estágios de desenvolvimento e por aí em diante. Fiz ali um estágio que me fez sentir mestre na coisa.

Sempre tive uma ideia relativamente clara de quem gostaria de ser enquanto mãe – uma mistura equilibrada de brincadeira, afecto e disciplina.

AHAHAHAHAHAHAHA!

Como se eu pudesse ser a mãe que sempre imaginei, sem atender a quem seria o/a filho/a. Como se esses fossem papeis estanques. Como se eu pudesse ignorar a parte mais importante e decisiva na equação da maternidade: o filho. 

Eis que chega a Margarida. Uma bebé ainda mais perfeita do que imaginava... mas muito mais chorona e insatisfeita do que poderia imaginar ser possível. Quando nasceu, o médico comentou ‘que belos pulmões’, e essa foi a única vez em que o choro dela me fez feliz. Na verdade, nunca se tratou de um choro -  a Margarida gritava, berrava a plenos e belos pulmões. Com cólicas? Não, o tempo todo, excepto a ser alimentada ou a dormir. A Margarida sempre foi impaciente, sempre teve uma voz que se faz ouvir (demasiado) bem, sempre quis fazer 1000 coisas ao mesmo tempo e ir descansar era coisa para meninos. 

Não posso dizer que imaginava, ainda na gravidez, que teria uma filha calma (bastava o facto de haver 90% de hipótese de ser carneiro!). Mas nunca imaginei que houvesse um bebé assim, ao ponto de os pais o levarem aflitos a uma urgência, após 3 dias de choro non stop – em que nada se diagnosticou. Até à data, imaginava eu que, sendo a mãe que sempre desejei ser, iria conseguir tranquilizar a minha filha. Mas a Margarida fez questão de aniquilar aquele meu mestrado, que tanta segurança me havia dado no passado.

Com o passar dos meses fomos começando a conhecer a Margarida. As suas necessidades, gostos, preferências, vontades... e, consequentemente, conseguimos começar a identificar o que mais a incomodava, destabilizava ou irritava. 
O caminho foi longo, mas se houve outra coisa que a Margarida me ensinou desde cedo, foi a não comparar. A não nivelar a experiência pela experiência da amiga x ou y. A não considerá-la uma bebé “dificil”, só porque a bebé da x era tranquila e mal se ouvia a chorar. Afinal, a Margarida, noutras questões, como no que toca às horas que dormia seguidas ou ao quão bem comia, poderia ser considerada uma bebé “fácil”. 

A Margarida mantém muitos dos traços com que nasceu – e que agora nada são problemáticos para nós. Considero agora a Margarida uma criança “fácil”, dentro do desafio que qualquer criança (saudável) de 2 anos representa. O que mudou? Nós. A nossa abordagem, a nossa forma de (saber) lidar com ela. A base é sempre a mesma: o respeito e a paciência. E algumas ferramentas PRECIOSAS!

Quando me vi com as voltas ali um pouco trocadas, a afastar-me cada vez mais da mãe que desejava ser, senti necessidade de abordagens diferentes, reais, justas e que me fizessem ver, não como adulta, mas através dos olhos da minha filha.
Sabia que teria de respeitar sempre a Margarida, a pessoa que ela é – independentemente de ter 70cm ou 1,80m. Sabia que teria(mos) um papel crucial na orientação que levaria ao florescer da personalidade, dos gostos, da essência. Que nos cabia a nós direccionar da forma mais saudável e respeitosa – tendo sempre em mente que o objectivo nunca seria moldar a criança à imagem das nossas preferências pessoais, mas muni-la de ferramentas que a permitissem travar esse caminho de auto-descoberta, auto-controlo, auto-confiança, sempre com o nosso amparo e orientação. Mas faltavam-me as técnicas mais adequadas. 

Foi então que nos debruçamos sobre a disciplina positiva, a parentalidade consciente e o mindfulness. 

De que forma é que isso nos ajudou, ajuda e ajudará sempre? Eu explico no próximo post! :)

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sexta-feira, 1 de julho de 2016

Faz de conta

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Vou fazer de conta que a minha filha não é a mais bonita, a mais inteligente, a mais engraçada, especial e cativante das crianças que já pisaram este planeta. Vou então dizer que  não. Que a minha filha é, na verdade, só mais uma criança, em nada mais especial do que a do vizinho. Ou do que as vossas. 

Vou continuar a fazer de conta, vou abafar essa parte, sem qualquer hipótese de cair em ‘falsas modéstias’ – a minha filha é só mais uma filha. A minha filha é comum. Faz as gracinhas que todos fazem, adora os desenhos animados que todos adoram, está no mesmo ponto de desenvolvimento em que a maioria das crianças de 2 anos se encontra. Nem mais nem menos. Faz de conta. 

Assim sendo, e porque gosto muito deste blog (ainda que ele tenha passado para o finzinho de uma longa lista de prioridades), pensei e repensei o rumo que lhe havia de dar.

Não tenho necessidade de partilhar a minha vida, muito menos a da minha filha. Não sou daquelas mães que partilham as graças da filha no facebook ou com qualquer pessoa que lhes digam um ‘olá’. Não sinto essa necessidade. Sinto o oposto. Necessidade de guardar essas pequenas maravilhas para nós. 
Quando este blog nasceu, nunca foi minha intenção torná-lo altamente pessoal ou exclusivamente focado na Margarida – nunca aqui iriam ler um relato do parto ou cartas escritas à Margarida. Nunca gostei muito de me expor e no que à maternidade diz respeito, não seria diferente. Não censuro, gosto até de ler algumas coisas do género. Mas essa não sou eu.

Podia falar-vos de como a Margarida se portou lindamente, com as suas margarida brancas, no casamento dos pais? Podia, podia falar sobre isso e tantas, tantas coisas que não vos interessam para nada e que apenas alimentam curiosidades alheias. 

A minha filha é mesmo a mais bonita, inteligente, blá, blá, blá, mas eu sei que vocês vão continuar a achar que os vossos filhos, sobrinhos, afilhados, enteados, primos (ok, já perceberam a ideia) é que são. E eu fico feliz por isso. Todas as crianças são especiais e únicas para quem as ama. E é assim que deve ser. Mas eu não vou perder 20 minutos do meu tempo a escrever-vos sobre as façanhas (incríveis, juro!) da Margarida, porque ela, para quem lê, é só mais uma menina de 2 anos e pouco. E que bom que assim é! 

Sobre o que posso escrever? Sobre a minha caminhada como mãe, sobre como vejo este mundo da maternidade, sobre o que resulta connosco, sobre o que me ajuda e motiva a ser melhor. Posso falar-vos sobre aquilo que me parece útil e importante discutir. 

Faz de conta que eu não tenho a filha mais especial do mundo e que vocês já estão aí numa ansiedade sem fim, para ler tudo o que por aqui irá aparecer!


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