quinta-feira, 30 de março de 2017

Percentis, tabelas, gráficos e outras neuroses

Imagem - Simona Ciraolo
Não sei em que percentil se encontra a Margarida. Nem mesmo nos primeiros meses de vida. Isso mesmo, nunca soube. Recordo-me de ter ouvido uma ou outra referência aos valores, sei que foram anotados algures no boletim, pela médica, mas isso pouco me interessava. Interessa-me, apenas, que tudo esteja bem e que a médica confirme que o crescimento da Margarida se continua a desenrolar saudavelmente. 

Incomoda-me essa neurose das 'mãezinhas' - e, sim, desculpem lá, mas nesta questão os pais não têm nada que ser aqui chamados. Por acaso, já ouviram algum pai dizer "o meu filho está no percentil X", com aquele ar de quem, na verdade, quer dizer "o meu filho é muito maior e melhor nutrido que o teu!"? Não, pois não? Pois.

Mas as 'mãezinhas' adoram essas coisas. E isso, como tudo, é um pau de dois bicos - se serve para umas se gabarem porque o filho aos 3 meses veste roupa para 9 meses (e juram que até já está mesmo, mesmo a dizer "papá"), serve também para as mães de bebés mais pequeninos - não sendo isso sinónimo de qualquer tipo de sub-desenvolvimento -, se preocuparem, questionarem e os quererem empanturrar de comida, a ver se começam a encher mais a 'roupinha' (as 'mãezinhas'  também adoram diminutivos).

Acredito que, especialmente para quem se está a estrear nestas lides, seja altamente tentador guiar-se por algo que possa indicar se o crescimento do filho está a corresponder ao expectável para a idade. Se mama quando é suposto, se começa a segurar a cabeça quando é suposto, se já se senta sozinho quando é suposto, se começa a gatinhar e a andar quando é suposto, se aparece o primeiro dente (e os restantes) quando é suposto, se desfralda quando é suposto e por aí fora, até à adolescência. 

Uma das coisas mais básicas - e importantes - que aprendi ao longo destes 3 anos é que, simplesmente, isso não existe. Mas qual suposto?! Os nossos filhos são indivíduos, seres únicos, com os seus ritmos, as suas particularidades e imensas diferenças entre si - a todos os níveis! Se pararmos para reflectir um pouco, fará algum sentido esperar (refiro-me àquela expectativa repleta de ansiedades e medos) que os nossos filhos façam determinada coisa, só porque aquela tabela manhosa que encontrámos na net nos diz que aos X meses era "suposto" ele ser capaz de fazer ou dizer Y e Z? E, assim que o bebé cumpre o tão ansiado requisito, lá vai a 'mãezinha' colocar-lhe um visto mental em cima, suspirar de alívio e seguir para o próximo item da lista, que respeita uma qualquer ordem universal. 

'Mãezinhas', não comparem, não forcem, não stressem. Ninguém apresentou essas listas, tabelas e gráficos aos vossos filhos. Eles desconhecem a "suposta" ordem das coisas - essa não é, necessariamente, a deles. Elas simplesmente acontecem quando devem acontecer, quando corpo e mente estiverem preparados para esse passo. O importante não é se o vosso filho é o mais alto, o que andou mais cedo, o que tem 5 dentes a mais do que era "suposto" para a idade, ou se largou as fraldas (forçado pela 'mãezinha') aos 15 meses, 3 semanas e 2 dias. É importante, sim, sabermos se os nossos filhos se estão a desenvolver bem e de forma saudável. Mas sem timings, sem pressões, sem tabelas, gráficos e outras neuroses que só desvirtuam o processo - o de ver crescer um filho, de ajudá-lo, de incentivá-lo, de respeitar os seus ritmos e, simplesmente, vê-lo florescer. 


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segunda-feira, 27 de março de 2017

"Pais sem alma"

Imagem via Pinterest

Quando, há alguns dias, me deparei com um novo artigo de um dos especialistas que há muito sigo nestas coisas das criancinhas e da parentalidade, foi, como sempre, com grande expectativa que o comecei a ler - apesar do título me ter feito soar logo umas quantas sirenes. Desde essa leitura, acho que passei os últimos dias a tentar digerir e, humildemente, a reflectir sobre o que li - que, em grande parte, chocava com a minha visão e com aquela mãe a que me propus ser, há já algum tempo.

A certa altura, o autor afirma que educar sem berrar, rezingar ou resmungar não é sequer educar. Que, trocando as coisas por miúdos, isso se traduziria em "pais sem alma".

Não sei precisar quando comecei a contactar com estas coisas da parentalidade dita consciente e positiva. Sei que cedo defini que o meu caminho, como mãe, passaria por aí, sempre que me fosse possível. E para que o número de vezes em que consigo ser uma mãe que educa e disciplina com empatia, respeito e afecto fossem cada vez mais frequentes, foi e é necessário um trabalho diário - na teoria e na prática. Um trabalho de dentro para fora.

Mas, como mãe humana que sou, como mãe que também fica frustrada, cansada, irritada, com dores e com pouca paciência, há dias em que me afasto, nem que por breves instantes, da mãe que desejo ser, daquela que a Margarida merece. 

Essa mãe que há em mim, que num ou outro momento se culpa por ter elevado a voz ou por não ter tido um bocado mais de paciência para continuar a negociar, em vez de partir para o ultimato, essa mãe quase acreditou e se sentiu ligeiramente reconfortada ao ler o artigo. 
Segundos depois, a outra mãe, a que acredita profundamente no trabalho que tem vindo a desenvolver, a que confirma, diariamente, os efeitos das ferramentas que tem apre(e)ndido, rapidamente me resgatou daquelas doces balelas que continuam a tentar convencer-nos de que não só é aceitável gritar e passarmo-nos com os nossos filhos, como é necessário, em nome da disciplina, da educação, dos limites e blá, blá, blá. 

O artigo andou dias na minha cabeça - talvez pela consideração em que tenho o autor, relativamente a tantas outras questões -, o que até foi bom para reflectir, tentar perceber o outro lado e, acima de tudo, desconstruir e voltar a montar as peças daquilo em que acredito, do que pratico e o motivo pelo qual isso me parece ser o mais acertado - é sempre um bom exercício.

Ao longo destes anos, houve momentos em que quase tentei ser uma mestre zen da maternidade. Houve momentos em que consegui agir como espero conseguir agir sempre, mas também houve e há momentos em que a Margarida me vê chateada, frustrada e sem paciência. 
Uma das certezas que agora tenho em todo este processo - e que me traz alguma paz -, é que me faz sentido que a minha filha saiba reconhecer quando a mãe também está menos bem, que um olhar baste para ela saber que tem de parar, que cheguei ao meu limite e que, consequentemente, ela também - e ela sabe ler-me tão bem, mesmo sem uma palavra! 

Quero, acima de tudo, munir a minha filha de ferramentas que lhe permitam lidar, de forma saudável, com as emoções, as dela e as de quem a rodeia. E isso só acontecerá, de forma eficaz, através do exemplo. Todos os dias. Mas sei que, seguramente, irei falhar algumas vezes pelo caminho. E é aí que me vou lembrar que berrar, rezingar ou resmungar nunca será necessário (mesmo quando não conseguir evitar), que daí nada de bom advém. Quero que a Margarida saiba que, sim, pode acontecer, mas que não está certo. Tal como todos os outros certos e errados que lhe tento transmitir.
Sempre que eu pisar esse risco e a minha voz se elevar, vou lembrar-me, sobretudo, que o problema está em mim, no meu estado de espírito e nunca na minha filha. E que nunca, mas mesmo nunca, irritações, faltas de paciência e chatices várias serão úteis ou necessárias para educar ou lidar com a minha filha.

Outra certeza que tenho é que, sempre que eu errar, irei pedir-lhe desculpa. Com toda a (c)alma. 


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quinta-feira, 9 de março de 2017

Cara mãe-que-levou-mousse-de-chocolate-para-a-creche

Imagem via Pinterest
Não tenho nada contra ti. Na verdade, não sei se és a mãe do Santiago, da Laura ou do Abel. Não preciso saber sequer. Sei que és mãe de uma criança que partilha todos os dias a sala com a minha filha. Que eles brincam e crescem juntos diariamente. E sei também que, ontem, decidiste levar mousse de chocolate para a tua criança festejar com os miúdos. Quando soube, confesso que te insultei baixinho. Que me passei, vá. Nada contra que a tua criança coma mousse de chocolate - ela é isso mesmo - tua. Mas a Margarida é a minha filha, percebes? Eu e o pai dela somos os responsáveis por ela e isso aplica-se, também, ao que ela come e, especialmente, ao que não come. Para além de saber que és a mãe de uma criança que partilha a sala com a minha filha, sei também que, seguramente, não sabes o que é ter um filho com intolerâncias alimentares ou com algum tipo de restrição alimentar, por motivos de saúde - e nem vou entrar por outras motivações ou convicções. E se, por um lado, fico feliz por não saberes (sendo isso boas notícias para o teu filho), por outro, incomoda-me que penses apenas na tua criança, quando preparas um doce para levar para a creche. Sabes, na sala dos nossos filhos convivem diariamente 17 crianças. Dezassete.

Acredito que a tua intenção fosse a melhor. Acredito mesmo. Preparaste uma mousse que, aposto, é a preferida da tua criança. Mas enquanto tu, provavelmente, foste para o teu local de trabalho feliz, a pensar que a tua criança e todas as outras se iriam deliciar com o manjar que preparaste, eu só conseguia imaginar a minha filha a sentir-se excluída, a ter de comer uma peça de fruta (como ficou combinado com a educadora - que nos questionou, como sempre), enquanto via os outros meninos a lambuzarem-se todos com a tua mousse maravilhosa. Como essa era uma imagem que me fazia insultar-te cada vez menos baixinho, a meio da manhã o pai foi lá a correr levar um queque de cenoura, numa tentativa de minimizar o estrago.

Conhecendo a minha filha como conheço, comentei de imediato com o pai que ela é que ia ficar a sentir-se A especial, a privilegiada - e foi exactamente o que aconteceu. Segundo a educadora, nem olhou para os outros, de tão encantada que estava com o queque. Quando chegou a casa, disse "mamã, hoje comi bolinho de cenouraaaaaa!", e quando lhe perguntei o que tinham comido os outros meninos, respondeu "não sei, um doce qualquer". 

É só por isso que já não tenho nada contra ti - porque conseguimos, com a ajuda da educadora, dar a volta à coisa. Mas para a próxima, por favor, lembra-te que existem, pelo menos, mais 16 criancinhas no mundo, para além da tua, pode ser?
Grata pela compreensão.


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